Vacina contra a mordaça

Marcelo S. Tognozzi – Conselheiro da Associação Brasileira  de Imprensa (ABI)

Um dos esportes prediletos de Lula e dirigentes do PT é bater no que chamam de “mídia privada”. Demonizam a liberdade de imprensa exatamente como fez Hugo Chávez ao fechar a emissora RCTV, a mais antiga da Venezuela. Há dias, Comissão Executiva Nacional do PT atacou a Rede Globo e os jornais Correio Braziliense, O Estado de S. Paulo, O Globo e Folha de S. Paulo conclamando seus militantes a lutar contra a “mais nova ofensiva da direita, articulada com setores da mídia, contra o PT e o governo Lula”.

A lenga-lenga é um clone do discurso do caudilho Hugo Chávez, que calou a RCTV depois de acusá-la de golpismo. É interessante esta reação do PT, porque quando a imprensa mostrou as roubalheiras dos anões do Orçamento, investigou o governo Collor ou denunciou a compra de votos para aprovar a reeleição de FHC, eles não só aplaudiram como ajudaram a colocar lenha nessas fogueiras. A imprensa não mudou; Lula e o PT mudaram.

 Mas o importante não é discutir aqui esta ampla, geral e irrestrita mudança de postura de quem um dia defendeu a liberdade de imprensa em praça pública e hoje quer mutilá-la, mas sim qual a vacina para a truculência, a intolerância e a mordaça.

O que torna a imprensa brasileira, além de boa parte da prensa da América Latina, vulnerável é a falta de parceria com o público. Se a RCTV tivesse pulverizado seu capital, permitindo que o povo venezuelano comprasse suas ações em Bolsa, ela não seria vista como uma rede privada a serviço dos golpistas, conforme definição de Chávez. Ao contrário, seria antes de tudo uma emissora com dezenas ou até centenas de milhares de pequenos acionistas.

O exemplo venezuelano indica que as empresas de mídia do Brasil precisam começar a rever conceitos e aprofundar seus laços com a sociedade. E o mercado está aí para ajudar a resolver esta questão oferecendo a verdadeira vacina contra o autoritarismo intolerante, ávido por cassar a liberdade de imprensa e o direito à informação. As grandes redes brasileiras, tão atacadas por Lula e a companheirada, deveriam pensar no assunto.

Não se trata de discutir o controle e a administração dos veículos, mas sim uma mudança no relacionamento com o público. Se a Rede Globo, Folha, Estadão, Correio Braziliense e o Globo abrissem o capital e permitissem aos leitores tornarem-se também investidores, como fizeram há mais de século jornais americanos e europeus, colocariam a truculência e a intolerância numa sinuca de bico.

Mexer com a mídia passaria a ser um problema enorme, porque significaria enfrentar um sistema com raízes profundas na sociedade.

Cada cidadão que possuísse uma simples ação do seu jornal, rádio ou TV se sentiria atingido. Num exemplo prático, alguém imagina o governo Lula fechando a Vale do Rio Doce, onde milhões de trabalhadores investiram parte do Fundo de Garantia e dela viraram parceiros?

O episódio da RCTV e a bile destilada pelo PT contra os meios de comunicação merece uma reflexão mais profunda, a qual necessariamente passa pela revisão da atual estrutura das empresas de comunicação. E se elas prestam um serviço essencial à sociedade, informando e entretendo, nada mais lógico do que tirar desta relação a vacina contra o autoritarismo, a intolerância e a mordaça. A democracia será eternamente grata.

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